Prefácio A vida nos obriga a certas coisas que a gente nem imagina... A dificuldade de aprender de formas e maneiras duras, que a vida nos impõe, através das perdas, das falhas, das obrigações, enfim das escolhas que fizemos na espiritualidade para conseguirmos evoluir. Devo porém enfatizar, que sou grata a muitas coisas, aos dons que Deus me deu, aos anjos que Ele colocou na minha vida, aos talentos que consegui aprimorar, aos amigos que consegui conquistar e por último a fé, que por vezes falha, mas ainda sim continuo a insistir e a acreditar que tudo tem uma razão de ser. Tento a todo momento me regenerar do luto e uma hora hei de conseguir, pois como tudo nesta existência, há de passar. Precisei aprender com o luto. E como nunca gostei de velórios e cerimônias tétricas, eu parecia estar assistindo um filme. No dia que minha filha se foi, chovia muito, como hoje, e foi por causa da chuva que a vida inteira me encantou com sua poética sombria, que ela sofreu o acidente. Como num cliché de filme, serenava. Porém, naquele dia, eu ainda não entendia como seria o tempo sem ela. Sim, eu sentia serenar por dentro, bem no meu coração. As pessoas iam saindo lentamente, em silêncio, enquanto eu me deixava ficar, esperando que em uma reviravolta louca ela se levantasse dizendo que era uma brincadeira de mau gosto. Sim, é absurdo, mas eu aprendi que no luto o absurdo é o comum de quem ama. Depois que todos se foram, ela veio juntamente com o silêncio e o frio: a dor pungente. Eu aceitei, porque sei que assim que deve ser, mas a dor do luto é física. Ela rasga de dentro para fora, ela fere pelas entranhas, como se ela sempre tivesse estado ali e estivesse apenas esperando o momento certo para sair rasgando tudo, como um alien cuidadosamente alojado. Nada que eu vivi até o momento daquela dor poderia se comparar àquele sofrimento, nada. Nem sei dizer se aquilo era sofrimento, eu acho até que aquilo ali nem nome tem. É um carrossel louco de sentimentos tão fortes que deixam a alma e o corpo abatidos de cansaço. Quando após horas ou dias sem dormir, o corpo finalmente repousa numa cama, era como se eu tivesse travado uma luta numa arena romana. Dormimos sem querer dormir. Simplesmente, o corpo se desliga, porque sabe que se não fizer isso não suportará. Eu aprendi que o nosso corpo nos comanda no momento do luto. Vivendo o luto, eu precisei aprender algumas coisas. Não porque eu quisesse, mas porque foi necessário, foi parte do processo natural de adaptação. Do luto mesmo eu não queria a menor aproximação e o mínimo sinal de conhecimento, porém, eu não pude escolher. De tudo que restou em mim, a coisa que mais se sobressaiu foi a dor momentânea e a certeza que ainda ela vive num mundo paralelo. A verdade, é que o luto dói de tantas maneiras que eu não poderia jamais imaginar e que talvez eu nunca consiga descrever. O luto doeu psicologicamente, fisicamente e espiritualmente. Eu me senti vazia e solitária, em todos estes aspectos. Então, eu aprendi que às vezes a gente deseja morrer, tão involuntariamente, que chega a ser inocente. É apenas o desespero para aliviar a dor gritando mais alto dentro de nós. E eu notei que vai ter muita gente solidária ao nosso sofrimento, mas também existe uma quantidade surpreendente de pessoas de alma dura, que insistirão em julgar nosso sofrimento e tentar nos roubar o direito de viver o luto. Sim, o luto precisa ser vivido. Afinal, ele é também uma etapa da vida: nascemos, vivemos e morremos. Neste espaço do “vivemos”, enterramos quem amamos. Estar de luto significa que você está vivo. Chega um tempo em que lutamos insistentemente por melhorar, queremos sair daquele poço fundo e parar de sofrer, algo dentro de nós teima em reagir. E, neste momento, fazemos de tudo. É a hora que os mais aventureiros e os mais fracos fazem besteira. A realidade é que tudo não é mais que uma busca incessante por uma forma de arrancar do peito a dor sufocante da ausência de quem amamos. Na ânsia de esquecer muitos de nós cometem as piores coisas de suas vidas. É preciso ter calma nestes momentos. É preciso ter constância. É imperativo buscar a paz. Eu aprendi também que nem sempre os médicos estão certos e que para a psiquiatria o luto tem tempo. Se enterrei alguém que amei por 28 anos, como eu poderia simplesmente esquecê-la em meses? Aprendi também que as realizações pessoais a serem comemoradas se tornam alegrias com uma pontinha de tristeza e é preciso coragem para enfrentar isso. É preciso coragem para comemorar cada coisa que você desejou festejar ao lado daquela pessoa que não está mais ali, é preciso força para continuar e é preciso audácia para dar valor à sua própria vida e às suas conquistas, quando a pessoa com quem você sonhou em dividir não está mais ali. A vida após um luto consiste em um exercício diário. Dia após dia, as nossas reações se modificam, nossos sentimentos se acalmam. O desejo de convulsionar em lágrimas dá lugar a uma saudade comprida e cheia de amor, recheada de lembranças que chegam de repente, no meio da tarde e nos arrancam um sorriso meio bobo. A passagem daquela pessoa em nossa vida passa a fazer todo o sentido. É trivial, mas era como tinha de ser. Se não fosse assim, não seria minha história ou a sua ou a dele. Aos poucos entendemos que a vida não para em prol do nosso sofrimento, o mundo não deixa de girar para sofrermos, tudo permanece como está e segue o fluxo normal. Então, gradativamente conseguimos nos adaptar. Voltamos a viver. Eu aprendi, aliás eu sempre soube, que existe vida após o luto. E uma vida mais consciente de que o tempo é curto, que o verdadeiro amor é raro, que Deus existe, que amar exige compaixão, que as pessoas mais importantes de nossas vidas sempre estiveram ao nosso lado, que o destino nos leva a cumprir nossa jornada e que vale à pena esperar. Mas a maior de todas as coisas que eu aprendi é que se mil vidas eu tivesse, mil vidas eu aceitaria enfrentar essa dor, apenas pelo prazer de todo o antes que vivi ao lado dela. Se ter a história que eu tive, exigia carregar esta dor, eu a carregaria mil vezes sem a menor dúvida. Eu aprendi a jamais me arrepender de amar. E aí vem a minha fé, me fazendo compreender o que na verdade eu já sabia, que tudo tem uma razão de ser. Porque a vida inteira eu escrevi melhor quando estava deprimida ou triste, porque tudo que me move está na espiritualidade e nada deste mundo faz sentido se não for por amor e ainda mais se esse amor for verdadeiro e infinito. A resposta está bem na sua frente e a sua visão nublada não lhe deixa visualizar. Por anos a fio fiz diálogos uníssonos com amigos imaginários, escrevi textos que eram ditados, e tive sensações tão reais que nem eu mesma podia acreditar. Tudo isso, porque eu estava sendo preparada, para que quando eu estivesse neste estágio pudesse compartilhar com outras pessoas a seguinte lição que me valeu por todos os aprendizados: Apesar de tudo, sempre vale a pena. Te amo filha...eternamente.... Prólogo Foi a partir de minha de minhas intuições e vivências desta jornada, que tomei a decisão de escrever este livro, Espero poder através desta obra detalhar um pouco de tudo que já vivi nestes 60 anos de existência e que durante 27 anos desfrutei da companhia de um espirito livre que concebi em 03/01/1991 e que partiu para o outro lado em 25/10/2018. Fiz tudo para ensina-la a caminhar neste mundo de forma digna e simples, respeitar os limites e as pessoas, amar incondicionalmente qualquer ser vivo, porque todo tem seu lugar nesta trajetória. Evidentemente, que tenho consciência que nunca foi e nunca será o suficiente, afinal estamos em constante aprendizado. Ao mesmo tempo que ensinei, minha filha Giuliana, sem que eu percebesse me dava aulas de paciência, de companheirismo, de sabedoria, de grandeza, de desprendimento e tantas outras outras qualidades. Sua alegria e sua determinação, me fizeram crescer como mãe, e quando os problemas apareciam eu os esquecia rapidamente quando ela sorria pra mim. A necessidade de registrar esta convivência levou meses, e Deus sabe quanto foi difícil escrever embaixo de rios de lágrimas. Não posso deixar de registrar meu agradecimento a tantos anjos que apareceram em meu caminho, talvez através dela para tentar amenizar minha dor inominável. Também, agradeço a todos, que de alguma forma me inspiraram a escrever esta obra, relatos verídicos e inspirados por ela e seus mentores, que tenho certeza que de alguma forma continuam contribuindo para minha evolução espiritual, na esperança de nosso reencontro. Infância Nasci em São Paulo, segundo minha mãe, esperei 10 meses e não nove como qualquer gestação. Não sei bem se foi assim, mas pelo menos ela fazia questão de frisar para justificar minha sabedoria, afinal tinha esperado mais do que qualquer criança para vir ao mundo. Enfim no dia 10 de julho de 1958, nasci com um pouco mais de dois quilos, na cidade de São Paulo, minha mãe na época não trabalhava, muito embora tivesse formado piano no Instituto Musical de São Paulo, casou-se com meu pai um exímio tenista e um homem quem conquistava a todos com seu carisma e bondade. Dois anos mais tarde, nascia meu irmão Fabio, menino levado e franzino, mas de um coração imenso. Fazíamos tudo um pelo outro, dormíamos no mesmo quarto, pois nossa casa era modesta, mas as noites eram memoráveis, com grandes planos e conversas que duravam horas, e só paravam quando pegávamos no sono ou com a bronca da mamãe. Meu pai trabalhava numa loja de departamentos, Sears no bairro do Paraiso em São Paulo, no setor de cortinas e decorações. A loja era um dos lugares mais lindos que já conheci, para nós, eu e meu irmão era uma festa, ainda mais da época do natal, pois íamos lá para falar com Papai Noel e escolhermos nossos presentes. Enquanto eu escolhia conjuntos de moveis, Fabio escolhia um gato de plástico que abria e fechava os olhos.... Era muito engraçado como ele priorizava as coisas. Mais tarde, meu recebeu uma proposta de um colega de trabalho para que saíssem da loja e montassem seu próprio negócio também voltado para cortinas. E assim criaram a MAGUS, na Rua Augusta, uma loja bonita, mas que no futuro daria inúmeros problemas. Por confiar demais nas pessoas erradas, meu pai perdeu tudo, ficou desempregado, minha mãe teve que se mudar para a casa de minha avó, e tudo começou a ficar difícil. Para nós, crianças, morar na casa dos avós ao lado de meus primos Mauro e Florana, filhos da irmã de minha mãe Yolanda e seu marido Luís, foi inesquecível. Agora éramos quatro para tudo virar festa, meu avô com sua habilidade manual, confeccionava os brinquedos e nós tínhamos o quarteirão inteiro para conquistar. No natal, a mesa farta com os quitutes de meu avô, e os presentes que pensávamos não ganhar mais, devido a falta de recursos de meus pais, também não aconteceu. Meu tio Luís fazia questão de presentear a mim e Fabio com os mesmos brinquedos de seus filhos. Assim, foram muitos meses... Minha mãe lia todos os domingos o jornal na esperança de encontrar um emprego para meu pai, Mudanças Um certo domingo ao ler o jornal minha mãe encontrou um anuncio para um trabalho na cidade de Taubaté. Comentou com meu pai que a questionou sobre deixar para tras seus familiares e a cidade onde viveu quase toda sua vida. Minha mãe, mulher forte e determinada, sem ao menos ficar na dúvida, argumentou que tudo o que ela amava iria com ela, seus filhos e seu piano. E assim, nos mudamos para a cidade de Taubaté, na época eu com nove anos e Fabio com 7, iriamos pela primeira vez estudar em escolas públicas e caminhar sozinhos pela cidade. Meu pai, se mudou primeiro, encontrou uma casinha simples, quartos pequenos e um único banheiro fora da casa. Mas nem preciso dizer que eu e meu irmão ficamos encantados com as janelas duplas e altas de nosso quarto, janelinha na porta da entrada e um quintal enorme com um grande mamoeiro no fundo. Para nós, acostumados a morar em um apartamento numa movimentada do Bairro do Cambuci, em São Paulo, tudo era uma grande novidade com muitas opções para serem exploradas. Eu e Fabio dormíamos em um beliche, e nada era mais divertido do que termos um quarto só para nos. Minha mãe logo fez amizade com algumas pessoas e tamanha era a sua simpatia, aos poucos arrumou algumas alunas de piano. Mais tarde, conseguiria por mérito o cargo de professora de piano titular da Escola de Música e Artes Plásticas de Taubaté, onde lá permaneceu por 30 anos. Foi em Taubaté, cidade onde resido até hoje, que meu pai conseguiu um diploma de curso superior, com muito custo e tropeços financeiros, se formou advogado e o título de doutor não mudou em nada sua personalidade simples e carismática. Lembro-me quando ele participou do trote da faculdade de Direito, fomos todos ao primeiro dia, era como conhecer a escola que meu pai iria estudar. Aquelas brincadeiras de raspar o cabelo e passar batom por toda cara, não me agradou, mas como meu pai era casado e eu já estava chorando, os veteranos resolveram apenas raspar meio bigode dele. Foi preciso muita paciência e muita conversa do meu pai para que eu conseguisse parar de ficar brava com os colegas. Foi muito difícil meu pai concluir o curso, estudava a noite após trabalhar o dia todo e muitas vezes fazer varias horas extras para ajudar no orçamento. Naquela época minha mãe se dedicava a cuidar dos filhos, da casa e de seu trabalho como professora de piano. Meu pai tinha uma personalidade que agradava a todos, fazia amizade facilmente e seu jeito despojado e alegre também causava um certo ciúmes dentro de seu setor. Soube certa vez que um de seus superiores ao descobrir que estava fazendo faculdade, o transferiu de turno, e meu pai teve que mudar a faculdade para outro período, ficando ainda mais difícil pois após trabalhar a noite toda ia direto para as aulas. Quando estava se ajustando a nova rotina, seu superior o transferiu de novo. Meu pai, assumiu os riscos, porém não conseguia estudar para as provas, assim minha mãe emprestava as anotações de um colega e copiava essas anotações meu pai levava para o trabalho a fim de estudar e fazer os testes. Sua diversão era o tênis, frequentávamos o Taubaté Country Club, mas por cortesia da diretoria, já que não éramos sócios, em contrapartida meu pai ensinava crianças e jovens. Muitos jovens, hoje já de meia idade ainda lembram das lições e do carinho que ele tratava todos, os empregados do clube, os pegadores de bola, e com o mesmo respeito tratava os diretores e sócios do clube. Meu pai ainda atuou em várias indústrias, em Taubaté e na região, até que a crise e a idade não lhe proporcionaram novas chances. Começou a atuar com advogado em casa mesmo, e isso ajudava muito nas despesas. Anos mais tarte, meu pai voltava pra casa a pé, já formado e encontrou este ex-chefe, que o interceptou pelo caminho e cumprimentou. “ – Como vai Gustavo?” Olhando para seu anel de formatura ao lhe dar a mão ainda continuou... “Vejo que conseguiu se formar...” E meu pai respondeu.. “ – Sim apesar de tudo... eu estou bem e advogando... e você? Aos poucos o homem, com a cabeça baixa e com uma aparência triste, ia descrevendo sua sorte, suas perdas e sua saúde. Meu pai então despediu-se e finalizou: “ Boa sorte, vá com Deus, saúde pra você...” Quando chegou em casa nos contou o ocorrido durante o jantar, mais do que depressa eu perguntei a ele? “- Mas esse num era aquele que te fez tanto mal?” E ele com sua sabedoria impar me respondeu.. “- Sim filha, mas a vida se encarregou do destino dele, tive muita pena...” As lições de meu pai eram diárias, a cada conversa, a cada gesto e atitude, aprendíamos com ele através de seus exemplos. Meu irmão Fabio desde pequeno muito responsável, saiu um dia e disse que havia arrumado um emprego. Minha mãe o indagou a respeito, com um ar de desconfiança, e ele prontamente respondeu que iria entregar impostos para a prefeitura. Tinha 14 anos na época. Quantas historias e aventuras ele tinha para me contar no final do dia, naquele beliche, era tudo tão absurdo e engraçado que eu não sabia se devia ou não contar para minha mãe suas peripécias. Mas ele estava feliz, estudava, ganhava seu dinheiro e guardava tudo em um cofre de latinha, que minha avó ajudava a crescer com suas economias. Quando resolvi entrar na faculdade, decidi que iria fazer comunicação, e consegui ficar entre os 15 primeiros lugares na Faculdade Casper Libero, em São Paulo. A falta de recursos era enorme para que eu pudesse voltar para São Paulo, mas meus avós aceitaram me hospedar com eles e assim concluir meus estudos. Ainda sim, eu precisaria de dinheiro para fazer a matricula, e naquela época tão difícil como iriamos conseguir? Foi ai que meu irmão apareceu com suas latinhas e me entregou com o coração aberto, dizendo: “- Leve Lã, é pra você...” Consegui assim realizar meu sonho, me formei em publicidade pela faculdade que havia escolhido, com muito sacrifício meu e de minha família, mas aos poucos tudo ia melhorando. Num determinado dia quando estava em busca de trabalho em São Paulo, meu pai apareceu na casa de minha avó de surpresa para me ver, eu não estava e ele acabou indo fazer seu trabalho e sem se conformar acabou voltando e quando me encontrou me perguntou se eu não gostaria de passar uns dias em Taubaté. Como estava cansada da correria, acabou aceitando e lá fomos nós pegar o ônibus de volta. Prometi aos meus avós que voltaria na próxima semana. Naquela semana conheci Eduardo, um jovem tímido e gentil com quem divido minha vida há mais de 35 anos. Casamento e Filhos Casei-me com Eduardo, em dezembro de 1982, jovens e apaixonados, bem lembrado que eu era mais velha que ele dois anos, mas, tínhamos sonhos de trabalhar duro para constituir uma família e dar aos nossos filhos o que nossos pais não puderam nos dar. Quando decidimos que iriamos nos casar, por ironia do destino, os dois ficaram desempregados e tivemos que adiar nossos planos por dois anos. Acredito que sido providencial, pois assim conseguimos comprar nossa casa. Durante muito tempo, todo final de semana, eu, ele e minha sogra íamos para a nossa casinha que ficava no Distrito de Quiririm, arrumar alguma coisa. Nosso casamento foi simples, sem muita pompa, mas os amigos estavam lá, e isso para nós foi o suficiente. Quatro anos depois, fomos presenteados por Deus, com uma menina, que batizamos de Giovanna. Uma menina linda, com pele clara e cabelos louros, sempre meiga e bastante inteligente. Na época Eduardo e eu tínhamos um bom emprego, e conseguimos dar a ela uma infância com muitas regalias, incluindo festinhas de aniversario, brinquedos no natal, uma boa escola. Giovanna, soube aproveitar tudo, era boa aluna na escola, e ficávamos felizes com seu desempenho nas apresentações e tarefas artísticas. Quatro anos mais tarde, tivemos outra menina, e dei-lhe o nome de Giuliana. Nasceu pequena e muito esperta, para Giovanna era uma boneca de verdade, a cada mamada Giovana acordava junto para acompanhar a novidade. Giuliana acompanhava tudo, seus lindos olhos claros e seu cabelo escuro e cacheado encantava a todos, a caçulinha da casa estava impregnando a todos com o seu jeitinho bravo e engraçado. Giovanna, não tinha ciúmes, tratava-a como uma boneca viva, que na verdade já demostrava não querer fazer tudo que ela mandava. Giuliana mostrava ter uma personalidade forte e com muita opinião, ao ponto do pai apelida-la de “Zinza”. Esse apelido durou até a fase adulta, e ela respondia ao seu chamado como se fosse seu primeiro nome, só ele a chamava assim.... A medida que o tempo ia passando tivemos que coloca-la em duas escolas, devido ao meu trabalho, não tinha como deixar minhas meninas com ninguém, então optei em deixa-las em uma escolinha integral. Ambas estavam satisfeitas, muitos amigos, brincadeiras e Giovanna já se sentia responsável pela irmã, inclusive nos contando o que ela tinha feito durante o dia. Giuliana aprendia rápido, nomes, letras e números, e desde muito cedo se encantava pelas músicas, muito embora não tivesse ritmo para cantar, ainda sim vivia sempre com uma música por perto. Os relatos das professoras da escola, enfatizavam a sua liderança perante os colegas, e durante as brincadeiras era ela que ditavas as regras. Quando eu saia do trabalho para pega-las na escola, iniciava para mim o terceiro turno, pois era a hora que eu teria que arrumar tudo, lavar as roupas, arrumar novamente a mochila do dia seguinte, verificar as agendas, dar atenção, brincar um pouco e coloca-las para dormir. Minha jornada noturna começava, pois Giuliana acordava a cada duas horas para mamar novamente, e brincar... e chorar... até que eu começava a balança-la no colo cantando músicas de ninar. Pela manhã, iniciava a correria, levantar mais cedo para me arrumar, deixa-las na escola e ir trabalhar, tudo tão cronometrado que nem sei como conseguia dar conta. Eduardo não tinha hora para chegar do trabalho, muitas vezes fazia plantão e eu sabia que precisava descansar mais do que eu pelo seu dia duro e cheio de problemas. Família Nunca reclamei um minuto, tinha a meu lado dois anjos maravilhosos, Alice, minha sogra (que na verdade sempre foi minha segunda mãe), e Maria José, minha comadre que praticamente foi criada por minha sogra e que carinhosamente Giovanna e Giuliana a chamavam de Titia. Alice, sempre tinha a paciência de brincar com as meninas, e Maria ocupada com os afazeres da casa ainda sim achava tempo de dar atenção para elas e fazer tudo aquilo que a mãe (no caso eu) não deixava. Foi difícil no início, mas aos poucos achei mais fácil ceder, pois tudo que faziam era com imenso carinho. A cada ano que passava, ganhávamos mais um pouco de confiança uma na outra, Giuliana e Giovanna pareciam ter três mães, e a medida que íamos nos acostumando tudo fluía com mais facilidade. Eu acabei ficando com as decisões mais difíceis, reuniões de pais e mestres, uniformes, material escolar e tantas outras providencias que fazem parte de qualquer outra mãe que tem que conciliar a educação dos filhos e o trabalho. Me considero privilegiada por ter duas parceiras tão presentes e um marido extremamente amoroso e compreensivo diante de todas as decisões que eu tomava. Amigas e companheiras de todos os meus dias, supriram um pouco a ausência que tinha de meus pais, muito embora morassem na mesma cidade, tinham seus problemas e sabia que se preocupavam muito comigo e com meu irmão Fabio. Procurava poupa-los do nosso cotidiano, e assim íamos tocando nossa vida. As meninas, tomavam nosso tempo, suas brincadeiras, festinhas, tarefas, amigos e tantas outras coisas que tínhamos que administrar em prol do bem star de ambas. Não posso parar Sempre agitada e com muita energia para gastar, Giuliana estava constantemente envolvida com muitas brincadeiras que a fizessem rir e correr. Desde muito nova podíamos notar que de certa forma tinha puxado a mãe quando pequena, brincadeiras mais agitadas, e tudo que envolvesse força estava dentre as suas preferências. Por mais que eu insistisse no jazz e no ballet ela amava os esportes, futebol, corrida, bicicleta e td que a fizesse sentir viva, com o vento batendo no rosto e a fizesse suar muito. Conforme o tempo ia passando mais podíamos perceber que ela ia aprimorando seus dons, sua liderança nata e seu carisma agregavam as pessoas, podíamos sentir que amigos não lhe faltavam, embora eu não conseguisse nunca decorar o nome de todos, mas eram amigos do jogo, da escola, da piscina, do retiro de jovens, todos separados por tribos. As vezes eu a questionava: - Quem é esse?... E ela me respondia... -Ah, é fulano...de tal lugar.... Era engraçado essas suas colocações, me deixava intrigada as vezes, como eram separados e nominados como “tribos”. Me questionava, como todos eram tão ligados a ela e ela parecia não estar ligada a ninguém.... Amigos e amores Aos poucos, seu aprendizado se tornava mais especializado, ela precisa ser a melhor em tudo, e nada fazia sentido se não tivesse um objetivo a conquistar. Meu marido, Eduardo, costumava dizer que ela era a”Dona da Lei dos 500”, porque quando conseguia os 500 desejos precisava ir para o 501, nunca tinha fim.... Riamos juntos dessa colocação, mas era a pura verdade narrada por ele com um toque de carinho. No fundo ele não só a apoiava, mas incentivava, dando ideias, fazendo referencias, e quando ela precisava de atitudes e ações com mais racionalidade, era ele que ela procurava, porque sabia que eu, com certeza, colocaria a emoção em primeiro lugar. Me achava dramática, muitas vezes porque eu não conseguia entender onde ela queria chegar. Estudou quase toda sua vida no Colégio Idesa, em Taubaté, uma escola dirigida por familiares, e que tinha como ponto forte a disciplina e a abertura para todas as áreas. Claro que teve alguns namoradinhos, como toda adolescente, mas foi no colégio que conheceu um garoto, que por sinal era namorado de sua amiga. Lembro-me no Shopping, quando ele estava com a namorada e trocaram os primeiros olhares. Mais tarde ela me contava a respeito dele, a princípio parecia algo meio desinteressado, mas quando a amiga terminou o namoro eles começavam a se encontrar na escola e assim iniciaram uma grande amizade. Seu nome era Otavio, educado, atencioso e com temperamento aventureiro como ela, pois ambos gostavam de esportes e viviam rindo de qualquer coisa. Começaram a namorar, e ele tinha em seus planos fazer um intercâmbio na Alemanha. Durante um ano, eles namoraram pela internet, bilhetes, choros, risadas, até tarde na noite em longas conversas. Nada poderia ser diferente, entre dois jovens tão apaixonados. Caminhos e Escolhas Giuliana também tinha o sonho de viajar pelo mundo e talvez tenha sido por isso que resolveu escolher fazer jornalismo, amava fotografia e com estes conhecimentos e dons voltava os olhos para um universo infinito. Lembro-me que quando estava no primeiro ano da Faculdade, percebeu que poderia fazer estágio no Laboratorio de Fotografia, um de seus grandes amigos e também fotografo, que era funcionário da Universidade, Agnaldo, lhe deu todas as coordenadas para que ela concorresse ao cargo, assim poderia aprender na pratica e ainda ganhar uma bolsa. Ficou tão maravilhada com esta possibilidade, que fez a sua inscrição, mesmo sabendo que estaria concorrendo a apenas uma vaga com tantos candidatos. Como tudo, para ela era mais uma etapa. Quando o resultado saiu, ela ficou sabendo através de uma amiga e me contou só depois de ter conseguido. Nada parecia ser difícil... O contato com as pessoas, com o equipamento, as possibilidades, a transformaram em uma profissional que se destacava a cada dia no fotojornalismo. Em decorrência dessa paixão pela fotografia, chegou a fazer estagio do SESI, lá poderia ficar mais próxima dos esportistas, embora fizesse um trabalho burocrático, sempre dava um jeito de se aproximar dos professores de educação física e se aproximar dos idosos. E todos os dias ela reclamava em ter que comer de marmita... Quando esquecia dinheiro, acabava me ligando para eu fosse ate levar no intuito de pagar o almoço. E eu, como sempre, largava tudo e ia até ela.... Assim era a minha vida, entre o trabalho, a casa e a dedicação com as meninas. Estávamos sempre juntas, na medida do possível. Mas Giovanna e Giuliana eram bem diferentes uma da outra. Giovanna sempre foi calma, tranquila e parecia que já tinha todo o seu futuro traçado. Já Giuliana, era agitada, inconstante e sempre com pressa. Com isso, eu me desdobrava para atender as duas personalidades tão distintas, porém tão completas. Quando consegui lhe dar uma maquina fotográfica de sua preferencia, parecia estar no auge da felicidade, queria fotografar tudo, registrar todos os momentos e assim decidiu que queria fazer um intercâmbio. Ao mesmo tempo que meu coração dizia que não, eu também sabia que era o seu desejo. Briguei, tentei em vão com que ela mudasse de ideia, mas fui vencida pelos argumentos conjuntos dela e do pai. Os dois começaram de repente a ter segredos e sinais que só eles entendiam, e a proximidade de ambos se tornou uma cumplicidade sem limites. Neste meio tempo surgiu um concurso público da Prefeitura de Taubaté para ser professora de fotografia. Ela vislumbrou a chance de estar em contato com a arte de fotografar e ainda ter um bom salário. Se decepcionou... aos poucos foi vendo que não era o que esperava e o foco seria preparar seu intercâmbio. Qualquer outro jovem, se contentaria com um emprego público na sua área, mas Giuliana não era assim, tinha objetivos incomuns e seu pai buscava nutri-los com mais e mais segurança. Durante um ano planejaram esta viagem para Vancouver-CA, e o resultado para ela era escrever um livro com suas fotos. Longe de Casa Como seria a primeira vez que nos separaríamos durante um longo tempo, tentei de todas as formas amenizar minha preocupação. Otávio, seu namorado, tinha acabado de retornar da Alemanha, mas não conseguiram se encontrar, pois na mesma época ela embarcava para Vancouver-CA. Arrumamos um telefone/ radio, que pudéssemos falar a todo o momento, e estabelecemos horários que ela poderia falar comigo via Skype. Houve tempo que eu pensava que não iria me controlar de tanta ansiedade e preocupação, mas acabava tentando me distrair e me ocupar com o trabalho e a aflição ia embora. No final do dia, apesar do fuso horário, ela me reportava suas atividades, mostrava suas fotos e assim para mim era menos um dia longe dela. Pela manhã no caminho da escola nos falávamos ao telefone, era uma caminhada de pelo menos vinte minutos eté ela pegar o ônibus e depois o sky train. Nessa época nevava muito, um frio rigoroso que era mais um desafio para ela superar. Combinamos que ao final de seu curso iriamos nos encontrar em New York. Ela viria de Vancouver e eu e meu marido, Eduardo, sairíamos do Brasil para nos encontrar no aeroporto. Foram as horas mais longas de nossas vidas, até que esse dia inesquecível chegou... Os abraços e beijos não eram suficientes, e todos os minutos e horas intermináveis de nossa separação pareciam que tinha desaparecido em instantes. Nos divertimos e rimos muito nesses dez dias em New York, nós três estávamos vivendo fantasias inimagináveis, até retornarmos a nossa realidade do dia a dia. Compromissos e trabalhos a cumprir, não eram obstáculo para quem tinha acabado de desbravar horizontes que sempre sonhara. Retornou ao Brasil, para sua vida, seu namorado e com a máquina repleta de fotos para concluir seu livro, que serviria como resultado de sua conclusão do curso de jornalismo. Sonhos Para Giuliana, a palavra de ordem era : Determinação com Diversão”. Tudo poderia ser mais bonito se no final acabasse com uma boa risada. Houve tempos, que depois de uma bronca ou uma briga à toa, ela dizia... - Mãe, vamos fazer algo divertido e esquecer tudo isso? Eu mal conseguia digerir o que tinha acontecido e ela já queria deixar pra lá.... Compreensível ou não, eu acabava aceitando o que ela sugeria, afinal o que adiantaria não concordar com alguém que só priorizava a alegria. Quando resolveu tirar a carta de motorista e passou no exame, eu deixava com muito receio ela dirigir o meu carro pois adorava a velocidade. Comigo do lado, e falando durante o trajeto para ela ir devagar, ela fazia piadas e procurava me provocar de todas as maneiras para que eu não ficasse zangada. Mesmo assim, bateu meu carro por duas vezes, sem maiores consequências, mas aos poucos foi aprendendo que não havia necessidade de tanta pressa no volante. Amava dirigir, mesmo assim eu argumentava que não poderia deixar o carro com ela, pois precisava dele para meu trabalho. Em algumas vezes eu ia no banco do carona, e certa vez ao passar em frente a fabrica da LG Eletronics, me disse: - Mãe, um dia vou trabalhar aí.... Respirei fundo, porque no fundo eu sabia que ela estava traçando seu novo objetivo. Com seu curso concluído, era hora de buscar trabalho e foi na Câmara Municipal atuando também como fotografa que conseguiu experiência com o serviço público. Gostava de aprender e não se importava com os obstáculos que teria que vencer. Evidentemente, muitas vezes ela reclamava, aliás reclamava muito, mas eu já entendia que essa era a sua personalidade, abraçava tudo e quando algo não lhe agradava faria tudo para reverter a situação, caso isso fosse impossível quem mudava era ela. Simples assim, mas seus sonhos eram gigantes, e tinha pressa de realiza-los. Foi quando surgiu o processo seletivo para a LG Eletronics, e lá foi ela concorrer com vários candidatos, e transpor várias etapas. Venceu todas com louvor, e acabou conseguindo o emprego que desejava. Neste trabalho descobriu que suas habilidades iam além da fotografia. Atender pessoas e colocar em pratica seu espirito de liderança deram a ele em menos de três meses uma promoção. Para ela o tão sonhado emprego começava agora a se tornar maçante e chato estava na hora de mudar e criar objetivos maiores. Seu namoro também acabou chegando ao fim, como tudo para ela que virasse rotineiro ia perdendo o interesse. Mas por muitas vezes repetiu que Otavio sempre seria o amor de sua vida. Nessas horas notava que ficava meio abatida, mas no mesmo instante procurava mudar de assunto e se ocupar com outra coisa. Giovanna já havia se casado, também com um rapaz que começou a namorar aos treze anos, infelizmente anos mais tarde essa união chegava ao fim. Mesmo assim, decidiu que não voltaria para casa, sua decisão de continuar a morar só, era uma forma de seguir adiante de uma forma diferente. Giuliana a apoiou e isso acabou incentivando a querer para si algo semelhante. Em 2015 resolvi fazer uma viagem para San Francisco-CA, e quando retornei ela me disse que gostaria de morar sozinha, me perguntou: “- Mãe você me apoia?...” O que eu poderia dizer, mesmo querendo ela por perto? Com um nó na garganta, respondi que sim... E foi em um domingo que arrumamos tudo, e ela se foi para o apartamento alugado que escolhera, feliz em começar uma nova vida, totalmente sua, porém aborrecida porque seu pai e companheiro de aventuras, infelizmente não apoiou a ideia. Novos Rumos O apartamento que Giuliana escolhera, era demasiado grande para a quantidade de móveis que ela tinha, mesmo assim, resolveu que compraria alguns novos para deixar tudo condizente com o que sonhara. Certa vez ao comentar se queria levar alguma coisa daqui de casa, me disse que preferia deixar tudo aqui e comprar as coisas aos poucos. Na verdade tanto espaço vazio me incomodava, mas era assim que ela gostava, tudo com muito espaço livre. A liberdade era fundamental, o condomínio possuía uma grande área de laser, e quando tinha tempo era ali que ficava, na piscina, na quadra de tênis e na academia, seu fascínio por esportes era um de seus diferenciais entre seus amigos, correr, suar e vencer seus próprios limites era sua busca incansável. Me ligava todas as manhãs no caminho do trabalho, íamos falando até ela chegar a empresa, e tantas vezes mais durante o dia. Nunca falava “Tchau”, sempre “ Ate daqui a pouco”, e aí íamos deixando nossos corações menos apertados por não estarmos tão próximas fisicamente. Meses mais tarde, ela saiu da LG Eletronics e decidiu que buscaria uma oportunidade da AMBEV. Era apaixonada por cerveja, assim como foi determinada em tantas outras coisas que buscou na vida, era assim que tratava seus objetivos maiores. Quando decidia que iria trabalhar em algum lugar, nada serviria a não ser aquela empresa especifica. A Ambev foi para ela uma escola de vida, em três meses conseguiu uma promoção e chefiar um grupo de “homens barbados”, foi um desafio que ela enfrentou e venceu com maestria. Nada parecia ser obstáculo para seus sonhos... Certa vez, decidiu que iria para Nova York sozinha, iria encontrar uma amiga brasileira que morava lá. Muito embora eu a apoiasse, fiquei apreensiva com o trajeto. Como sempre tomei todas as providencias para que ficasse bem e eu consequentemente mais tranquila. Mesmo assim, tantas coisas aconteceram e eu só fiquei sabendo de tudo no seu retorno. Ela era assim, tantas vezes agia sem pensar e para mim, seus anjos da guarda eram verdadeiros gladiadores. Riamos juntas quando relembrávamos das coisas, e ela me dizia e sempre enfatizava: “- Mãe, você é minha companheira...” Muitas vezes, ficava triste e canalizava isso de forma rude, sem muita paciência e de certa forma eu sabia o que a incomodava, mas procurava no minuto seguinte disfarçar e pensar alguma coisa que a deixasse feliz. Certo dia veio com a novidade que adotara um gatinho, deu-lhe o nome de Theo. Branquinho e cheio de carinho com ela, ambos se completavam, a serenidade e a calma do gato deram a ela sem que a ela percebesse uma calma a seu espirito agitado. Além do que pode incluir na sua rotina diária uma responsabilidade de ter algo que dependesse de sua atenção e carinho. Não falávamos sobre isso, mas a todo momento buscava registrar através de inúmeras fotos o carinho para com seu novo amigo. Theo se mudou com ela por duas vezes em dois apartamentos diferentes, quando viajava por alguma razão eu ia visita-lo a pedido dela para que ele não se sentisse só. Certa vez me disse que se um dia fosse transferida de cidade, teria que leva-lo, jamais o deixaria para trás, e de forma que sua vida foi caminhando, quando realmente isso aconteceu ficou demasiadamente preocupada, como ele ficaria sem ela, por um tempo. Como Deus provém determinadas coisas, sem que a gente perceba, quando isso ocorreu uma amiga sua disse que poderia ficar com ele já que ela voltaria todos os finais de semana. Ambos sabiam que teriam que se separar um dia... Isso ocorreu depois de três anos trabalhando com cerveja recebeu uma proposta tentadora para ir para outra grande multinacional desempenhar uma função que almejava há anos e que nunca teve a oportunidade de desempenhar anteriormente. No início ficou em dúvida, mas como era recorrente me perguntou o que eu achava. Com o coração apertado, mas também ciente de que os filhos nunc são nossos, incentivei e procurei ajuda-la com todos os tramites de uma mudança para a cidade de Presidente Prudente, sete horas de viagem de carro de Taubaté. Como seriam esses dias? Como seria sua adaptação? Como seria se ficasse doente ou triste e eu não estivesse por perto? Tantos questionamentos que insistiam em passar pela minha cabeça, de uma mãe talvez super protetora. Eu me questionava muitas vezes, se não estava sendo egoísta e novamente eu mesma me respondia que tudo era normal, e como tantas outras mães lidavam bem com a ausência de seus filhos e eu não conseguia fazer isso com ela. Por que tanto temor? E puxando pela memória, ele sempre me perseguiu. Quando ela era criança eu nunca quis que ela fosse com passeio algum passeio da escola que pudesse correr algum risco. Era engraçado que eu argumentava usando de minha autoridade, que eu poderia leva-la depois, estaríamos juntas e nos divertiríamos da mesma forma. Quantos devaneios... Evidente que na cabeça dela, não era assim, queria correr, brincar com seus amigos, sem a mãe por perto. Mais tarde, já adolescente, eu levava e buscava em todo o lugar, o medo da violência urbana me apavorava, mas graças a Deus e as preces continuas, nunca sofreu qualquer trauma neste sentido. Talvez tenha sido por essa insegurança toda que não concordei com sua viagem para o Canadá, mas aos poucos ela e meu marido foram me convencendo da tranquilidade que era naquele país. Pude ver isso mais tarde, quando já estava lá, uma tranquilidade impar que não temos por aqui no Brasil. Mesmo assim, era comum conversarmos ao telefone varias vezes ao dia, as vezes meio sem assunto apenas para dizer que estava tudo bem, e que estávamos com saudades. Foi assim a vida toda, nada me fazia mais feliz quando o telefone tocava e ela ao despedir dizia: “ - ... Até daqui a pouco....” Ao aceitar o convite da nova empresa que iria trabalhar a princípio por um tempo na cidade de Bauru, foi admitida em 17/09/2018, estava empolgada com os novos desafios. Aliás, era isso que a movia, de desafio em desafio ela ia caminhando, e talvez só Deus soubesse para onde. O infinito era sua estrada, tudo que a remetia para a imensidão a encantava: O mar, a estrada, o céu, as plantações, o horizonte, sempre procurava registrar esta temática através de suas fotos. Em Bauru, fez novos amigos, uma equipe mais experiente e com vontade de aprender e ensinar. Ficou em Bauru por 30 dias, voltava para Taubaté todo o final de semana e embora distante, estava feliz em fazer este trajeto. Gostava da independência, da liberdade e de tudo que ela lhe proporcionava. AS vezes passava em casa bem rápido, pois tinha muitas coisas para arrumar no seu apartamento, providencias e tudo mais. Eu já havia me acostumado com essa pressa, tudo erra “rapidinho”, como ela mesmo dizia, a falta de paciência, de tentar resolver tudo em tempo recorde, nada poderia ficar para depois. Riamos muito disso as vezes, e eu hoje tenho as respostas de que ela precisava vivenciar tudo que gostaria no mínimo de tempo que lhe foi designado. E assim, trinta dias depois ela se foi para Presidente Prudente, a principio ficaria em um hotel enquanto não arrumasse um apartamento. Com muito afinco, conseguiu encontrar em um prédio com toda segurança. Confortável e semi mobilhado, acabou levando seus poucos pertences no carro, e o que mais lhe doeu foi deixar seu companheiro Theo com uma amiga, que mais tarde acabou adotando o bichano. Nos últimos meses eu sentia algo estranho, na verdade não saberia explicar o que ocorria dentro da minha alma. As visitas aconteciam nos finais de semana, mas agora muito mais depressa, pois além de resolver as questões da mudança, o trabalho ainda tinha que visitar o seu gato Theo. Evidente que eu entendia, quando ela substituía a visita por um telefonema, mas algo dentro de mim gritava pelo abraço que não veio. Assim se passaram algumas semanas, até que no dia 25 de outubro de 2018, nos falamos por telefone pela manhã, as coisas corriqueiras de sempre, eu estava indo a trabalho para São Paulo e também tinha mil coisas na cabeça. Mas uma frase me fez parar meus pensamentos quando ela me disse, com uma calma ímpar: “- Mãe.... hoje eu estou voltando pra casa...” Por segundos meu coração gelou, mas querendo dispersar tudo aquilo respondi: “ – Sim filha, venha com Deus.....” Por instantes fiquei muda e ela também, não tivemos o ultimo abraço, apenas um “ até daqui a pouco”, ou um beijo rapidinho, mas ambas pegamos nossa estrada, e passamos nosso dia. Quando retornei de São Paulo, percebi que ela não havia ligado, achei estranho porque falávamos diversas vezes ao ao telefone. Liguei e ninguém atendeu. Bem, talvez estivesse dirigindo e não poderia atender, pensei... Mas logo me veio a mente e aquela sensação de medo que só uma mãe pode sentir, minha insistência ao telefone foi em vão e logo me apeguei a minhas orações para que aqueles meus pressentimentos não fossem verdadeiros. Entrei em meu quarto e comentei com meu marido: “ - Algo aconteceu com a Giuliana...” Ele me respondeu, com toda calma. “ – Por que está dizendo isso? O que houve?” E eu olhando para ele disse: “- Ela não atende o telefone sei que algo está errado? Ele tentou me tranquilizar, falando que não devia ser nada disso, que talvez ela estivesse dirigindo ou esquecido o celular na bolsa, e quer era para eu ficar tranquilha que noticias ruins sempre chegam rápido. Para mim, naquele momento seus argumentos não me convenceram e eu então resolvi ligar para a policia rodoviária. O atendente do outro lado da linha me informou outro numero pois a rodovia Pedro I, não era de jurisdição estadual. Foi quando eu liguei e questionei sobre algum acidente na rodovia, e ele me informou que tinha havido sim, com um veiculo de uma empresa. Nessa hora meu coração gelou, e ele me perguntou se eu era parente de alguma das vitimas. Mais do que depressa eu respondi: “- Eu não sei, , minha filha estava voltando pra casa por esta rodovia...” E ele calmamente afirmou: “- O nome dela é Giuliana? E foi aí que pude confirmar o que eu já havia sentido. “- Sim.... E ele me disse: “- Infelizmente ela veio a óbito...” Naquele momento, eu só consegui jogar o celular, meu marido pegou o telefone e começou a gritar do outro lado e eu só chorei, e chorei por horas... Eduardo saiu mais do que depressa, indo para o local do acidente com meu compadre que foi acionado de alguma forma, e as pessoas iam chegando e eu estava me sentindo num limbo. Não consegui fazer mais nada, nem pensar, nem ao menos calcular o que poderia ser dali para frente. Como todo tramite normal de um funeral alguém teria que correr com papéis e tudo mais. Neste ponto não posso deixar de agradecer a todos que de certa forma contribuíram, mas coube a mim escolher a urna. No inicio me recusei, mas não havia mais ninguém que fizesse esse trabalho insano. Lá fui eu... a principio qualquer um serviria, para mim ela já não estava mais entre nós mesmo, mas teria que cumprir o protocolo, escolhi e queria o mais rápido possível sair dali. Passamos a madrugada naquele pesadelo, muitas pessoas chegaram, e cada vez mais eu parecia um expectador de um filme, eram jovens, idosos, pessoas uniformizadas da Ambev, Executivos da LG e BRF, pessoas simples, jovens tatuados, enfim.... me dei conta que ela tinha muitos amigos e pertencia a varias tribos. Varias coroas de flores e nos momentos finais, eu só consegui dizer ao pé de seu ouvido: "Filha, lembre-se, a gente não morre só fica invisível...." Foi o que eu sempre disse a ela quando pequena ao me questionar sobre a morte. E foi assim que encerrei esta minha difícil etapa. Mal sabia eu que iniciaria uma nova, que caberia só a mim lidar com ela. De lá para cá, tenho lidado com a ausência e a saudade, e nossa comunicação espiritual tem ficado cada vez mais forte. Sonho com ela, ouço suas mensagens e foi por conta de um dos sonhos que tive com ela que me levou a escrever e a publicar este relato. A principio acreditei ser irrelevante. Pois independente de religiões e crenças diversas o que esta historia poderia interessar a outros? Mas pensei melhor e acredito ser uma missão que poderíamos construir em conjunto, agora que estamos em mundos paralelos. Muitas pessoas me perguntam como estou conseguindo superar esta dor inominável da perda, e eu respondo que para mim ela não se foi apenas se encontra numa outra dimensão, porém nossa forte comunicação não me deixa esmorecer e principalmente desistir de continuar. O Sonho Numa noite, tive um sonho intrigante e muito real, ao ponto de eu me lembrar com muitos detalhes o lugar onde estávamos e a vestimenta de cada uma das pessoas: Estamos eu e Giuliana numa casa de caridade, eu na frente e ela atras de mim , eu carregava duas sacolas grandes e brancas com roupas para doar. Ao chegar vimos uma fila enorme com varias pessoas de branco, e eu impaciente disse a ela: - Nossa, será que teremos que pegar toda esta fila? Ela não respondeu apenas sorriu. Resolvi perguntar a uma senhora que estava auxiliando na organização. - Por favor minha senhora, eu gostaria de doar estas roupas, terei que pegar esta fila? a Senhora me respondeu com um sorriso encantador. - Por favor, pode se dirigir até aquela outra senhora, que ela irá lhe ajudar. Sai da fila rapidamente, olhei para trás e chamei: - Venha filha, vamos.... Giuliana estava bem atras, mas aos poucos fui perdendo ela de vista, deixei as sacolas numa caixa e fui sendo conduzida pelos auxilares a um caminho que acreditava ser a saída. Na verdade quando dei por mim, o ultimo auxiliar me deu um microfone e eu estava em um auditorio com muitas pessoas, todas de branco e ao me verem com o microfone, ao silêncio foi absurdo. Quando olhei para frente, tapei o microfone e fiquei pensando o que estaria eu fazendo ali naquele local, e nem saberia o que iria falar naquele momento. Perdida naquele palco, vi quando Giuliana entrou e se sentou a minha direita, na primeira fila com uma camiseta rosa, calça branca e cabelo penteado. Sentou-se e olhou para mim, fazendo um gesto para que eu iniciasse. Esbocei umas palavras sem som para ela dizendo que eu não sabia o que dizer, e ela insistia para eu falasse. Por mais de uma vez, engasguei e ai ela me disse numa linguagem muda: _ Mãe fale.... - Falar o que? - Conte a nossa história.... Acordei aos prantos e pude entender que deveria contar toda a nossa trajetória, no intuito de ajudar outras pessoas e outras mães a superarem suas perdas. Até pouco tempo não sabia como começar, mas foi por uma outra mensagem telepática que entendi que este seria o melhor caminho. Aos poucos vou me recordando de detalhes e atualizando minhas memorias que sem duvida alguma fazem parte desta jornada infinita onde todos iremos nos reencontrar. Espero que gostem e compreendam meu objetivo.
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Lani GoeldiGraduada em Comunicação Social pela Cásper Libero, atua há mais de 25 anos como Produtora Cultural e Curadora de Arte. Membro fundador da Associação Artística Cultural Oswaldo Goeldi e Pesquisadora do Projeto Goeldi. Aqui tão somente mãe de Giuliana. Mensagens |